Um episódio de raiva paulista versus uma temporada no Rio de Janeiro

Há poucos dias estive no Rio de Janeiro para o Carnaval.
Há poucas horas li um post do jornal O Estado de São Paulo sobre o aniversário da cidade.
Há poucos minutos passei a considerar que a cidade do Rio de Janeiro, e seus habitantes, são melhores do que São Paulo e os seus habitantes.

Agora aos porquês:
Para o carnaval no Rio de Janeiro não precisa de motivo algum! Uma festa muito brasileira, divertida, numa cidade igualmente brasileira e ainda mais divertida. Os blocos, as multidões, os vários litros de cerveja, shows na Lapa e por-do-sol no Arpoador deixam saudade e gosto de ter esses dias enfeitando o calendário de todos os anos.
Já a leitura do post feito no facebook oficial do jornal Estado de São Paulo, não há muito porquê além da atração por uma linda foto do Corcovado anunciando o aniversário da Cidade Maravilhosa.
Quanto a conclusão da superioridade do ambiente carioca ao paulista, aí sim está a história. Seguindo a bonita foto do Rio com filtro do instagram, estavam alguns dos comentários mais impertinentes, ignorantes e ofensivos à inteligência que tive o desprazer de ler na vida. Infelizmente, não foram os únicos. Mais infelizmente ainda, declaram um padrão de pensamento paulista.

Alguns cavalheiros muito paulistanos, amantes de sua cidade – fundo musical de circo – aproveitaram a proposta do Estado de São Paulo de parabenizar a cidade do Rio de Janeiro, para defender com unhas e dentes o solo paulistano e nos divertir com conclusões brilhantes sobre a distribuição de trabalho no Brasil e sobre o comportamento dos cariocas. E realmente, o post ficou parecendo um picadeiro. Uma pena que eu não soube se ria, ou chorava.
O primeiríssimo comentário, inaugurando o espetáculo foi “manda uma foto do pessoal aqui de são paulo trabalhando pq eu to cansado de sustenta esses cariocas” (reproduzido aqui na íntegra, para que o gosto ao lê-lo seja tão amargo quanto foi para mim!). Pouco depois tivemos o comentário referente à já antiga campanha de alguns conterrâneos meus “Manda eles trabalharem, bando de vagabundo. Eu falo que o sudeste deveria ser outro país. Menor Rio. Podem ficar com ele.”. E São Paulo continuou a dar show de bem habitado nas várias outras pérolas de preconceito e ignorância, bem quistas do povo paulista.
São Paulo, principalmente nossa capital megalópoliana, é terra de muitos povos, etnias, origens, estilos de vida, pensamentos e etc. E isso me dá um orgulho danado, de poder conviver com pessoas diferentes, aprender, aceitar, conviver. Mas sabemos todos que a vida para muitos destes ‘diferentes’ não é nada fácil na Terra da garoa. Hipocrisias a parte, a grande verdade é que a classe média paulistana é cruel. Média, média alta, média baixa e algumas vezes até baixa. Não sei, não estou aqui para fazer pesquisa do IBGE e relacionar a renda com o nível de preconceito das pessoas. Aliás, não consigo enxergar um padrão sobre isso em SP – o que assusta ainda mais – e também não consigo entender o porquê dessa maldita falta de tolerância em nosso solo.
Mas o que é fácil de notar é que não foi a primeira vez – e temo, não será a última – em que escuto ou leio comentários elitistas e separatistas de bocas paulistas. Muitos adoram falar sobre as vantagens de uma separação do estado mais rico e trabalhador da nação, daqueles pretos/pobres/preguiçosos/analfabetos do Nordeste. (Santa ironia! Justo em uma cidade construída pela mão de obra nordestina, levantada pelo trabalho árduo de um povo imigrante que veio ganhar a vida sendo explorado e expurgado por nossos ‘grandes empreendedores’ paulistinhas.) Outros falam de nossa riqueza, de nossas pontes, estradas e as acham motivo de superioridade ao resto do país. Batem no peito ao sugerir que nosso jeito é sério e trabalhador.
Tudo isso me parece realmente um número de circo.
Não vi nenhum destes paulistanos fervorosos reconhecer a participação dos imigrantes em tudo isso, pelo contrário. Também não vi eles comparando o número de universidades, as notas no MEC, a qualidade de saúde e transporte com outros estados. Que besteira é essa de tentar se vangloriar do que temos quando na verdade o povo paulista está é largando seu estado (e capital) às traças?
Votamos há mais de 20 anos no mesmo partido, tradicional, de direita e de terno. Estes, por sua vez, não fizeram nada mais do que prometer, não cumprir e rasgar nosso dinheiro e dignidade bem em frente aos nossos olhos. E continuamos votando. Bem esperto esse povo paulista viu?
A hora/aula que pagamos aos nossos professores (do estado maaais rico da nação!) é a pior do Brasil, abaixo do Acre – e do Rio de Janeiro também né?
Nosso transporte é um dos mais caros do país (se não O mais caro), nossa saúde é passível de lágrimas e nosso plano de habitação e ocupação da cidade é pessimamente planejamento (isso se for ao menos planejado), excludente e denegridor.
Agora me falem do que morrem de orgulho nesta cidade/estado?
A não ser do fato que nós, paulistas, a tratamos como lixo? E aproveitamos para tratar como lixo também os que não moram aqui ou não são daqui?
É muito orgulho para uma bandeira só, minha gente.

Mesmo só tendo me hospedado no Rio durante o Carnaval, e mesmo não conhecendo grande número de cariocas, nunca fui tratada como lixo lá. Piadas? Claro, sempre. Assim como na Bahia e em Minas Gerais já fui caçoada pelo meu sotaque, pela minha impaciência ou rapidez ao andar. Mas nunca ouvi “não quero conhecer/saber de São Paulo, terra nojenta” ou fui comparada aos nativos por trabalhar menos ou por pensar de um jeito paulistano qualquer. Também nunca me disseram no Rio que eu não deveria morar lá porque paulistas não eram bem vindos.
Pausa dramática;
Para mim é obvio que tipos imbecis existem em todos os lugares, então alguém ouvir de um primo carioca que paulistas fedem –  não faz uma regra. E é claro também que, além de ser minha opinião, a amostragem para estas conclusões não é grande coisa além da minha experiência na vida.

Mas já vi muita gente ser, inclusive eu, maltratada pela ignorância, desrespeito e abuso de meus conterrâneos. Até mesmo fora do solo paulistano.
Então o que é mesmo que o Rio de Janeiro tem de tão ruim?
Além das lindas praias, do Arpoador, da Lapa, do Carnaval, do papo mole e divertido dos cariocas, do jeito abusado do funk e das ruas largas e cheias de taxis!?
Não sei dizer.
Assim como não sei dizer exatamente o motivo de tanto ódio e desrespeito vindo daqui de São Paulo. Mas a constância deles, misturadas com a política podre (tucana – sim, vou dar nome aos bois), a injustiça e intolerância deste povo aqui me faz considerar o caminhão de mudança.
Concordo com Caetano que nossa sampa tem poesia em suas esquina e que é o avesso, do avesso, do avesso…. Mas precisa ser tão do avesso assim?
Depois destes comentários e palhaçadas, dá uma vontade de virar do lado certo.
E quem sabe este não é o lindo lado esquerdo da Bahia de Guanabara?

 

 

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3 respostas para Um episódio de raiva paulista versus uma temporada no Rio de Janeiro

  1. blogs oswald disse:

    As diferenças comportamentais entre cariocas e paulistanos – que incomodam os dois lados – considero algo digno de respeito: acho que de ambas as partes há aprendizados importantes a se realizar. Quanto à cidade – que tem, de algum modo, vida própria -, boa parte do que os paulistanos falam mal do Rio é fruto exclusivo da imensa inveja. Porque São Paulo é uma cidade terrivelmente feia, descomunalmente inóspita, uma cidade feita para carros ficarem parados. Uma cidade cuja beleza só pode ser captada por dois tipos de pessoas: 1) aquelas que só circulam pelos guetos “europeus-novaiorquinos” da cidade; 2) aquelas que têm uma rara e idiossincrática sensibilidade, para ver beleza na degradação. Faço parte desse último grupo, mas só umas duas vezes por ano. Em geral, acho esta cidade um horror.
    Agora o amor (e não a admiração) pelo torrão natal deve-se já a outras coisas, mais difíceis de explicar- daquelas que fazem a gente amar, por exemplo, um lugar como o Brasil.

  2. blogs oswald disse:

    Muito boa esta: “É muito orgulho para uma bandeira só, minha gente.”
    Adriano.

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